2008-01-05

sementes de contemplação


Neste mundo, todos os momentos e todos os acontecimentos da vida de cada homem deixam uma semente na sua alma. Porque, tal como o vento transporta milhares de sementes aladas, assim cada momento traz com eles gérmenes de vitalidade espiritual que acabam por permanecer imperceptivelmente no espírito e na vontade dos homens. Grande parte dessas incontáveis sementes perece ou perde-se, porque as pessoas não estão preparadas para as receber: sementes como essas não podem germinar em qualquer parte, excepto em terreno propício de LIBERDADE, de ESPONTANEIDADE e AMOR.

Esta ideia não é nova. Cristo, na parábola do semeador, disse-nos há muitos anos que "a semente é a Palavra de Deus". Pensamos continuamente que isto se aplica unicamente à Palavra do Evangelho habitualmente pregada na Igreja aos domingos. Mas toda a expressão da vontade de Deus é, em certo sentido, "palavra" de Deus e, portanto, semente de nova vida. A realidade continuamente em mudança em que vivemos poderia despertar-nos para a possibilidade de um diálogo ininterrupto com Deus. Não quero dizer com isto uma "conversa" contínua ou uma maneira de falar superficial de oração afectiva que algumas vezes se cultiva nos conventos, mas um DIÁLOGO DE AMOR PREFERENCIAL, diálogo de vontade em profundidade.

Em todas as situações da vida, a "vontade de Deus" manifesta-se-nos não simplesmente como uma ordem exterior de uma lei impessoal, mas sobretudo como um CONVITE INTERIOR DE AMOR PESSOAL. Muito frequentemente, o conceito convencional de "vontade de Deus" como uma força rígida e arbitrária que se abate sobre nós com implacável hostilidade, leva as pessoas a perder a fé num Deus que não podem amar.

(...) Se for este o nosso conceito de "vontade de Deus", não poderemos possivelmente procurar o mistério oculto e íntimo do encontro que tem lugar na contemplação. (...) Quantas coisas dependem da ideia que temos de Deus. No entanto, nenhuma ideia que tenhamos sobre Ele, por muito pura e perfeita que seja, é adequada para descrevê-Lo tal como Ele é realmente. A nossa ideia de Deus diz mais sobre nós mesmos do que sobre Ele.

Temos que aprender a pensar que o amor de Deus vem ao nosso encontro em cada situação, procurando o nosso bem. O Seu insondável amor perscruta o nosso despertar. A verdade é que, como esse despertar implica uma espécie de morte ao nosso eu exterior, receamos a sua vinda na medida em que nos identificamos com esse eu exterior e lhe estamos apegados. - (Aqui eu recordo as palavras do Sr. Padre Rui Santiago, redentorista, na homilia da festa de Cristo Rei: "se Deus não nos incomoda e não nos desinstala, então estamos a adorar um ídolo") - Mas quando compreendemos a dialéctica de vida e morte, aprendemos a CORRER OS RISCOS EXIGIDOS PELA FÉ, a fazer escolhas que nos livram da nossa própria rotina e nos abrem a porta de um novo SER, de uma nova realidade.

O espírito prisioneiro de ideias convencionais e a vontade cativa do seu próprio desejo não podem receber as sementes de uma verdade desconhecida e de um desejo sobrenatural. Porque, como poderei receber sementes de liberdade, se estou afeiçoado à escravidão, e como posso abraçar o desejo de Deus se me encontro cheio de um outro que Lhe é contrário? Deus não pode plantar em mim a Sua liberdade se eu sou prisioneiro e não desejo ser livre. Devo, portanto, aprender a abandonar o que me é familiar e habitual para acolher o que é novo e desconhecido para mim. Tenho de "deixar-me a mim mesmo" para me encontrar e me entregar ao amor de Deus. Se andasse à procura de Deus, cada acontecimento e cada momento semeraria na minha vontade sementes da Sua vida que germinariam um dia numa imensa seara.


de Thomas Mertom in "Sementes de Contemplação"


Sobre o Autor:

Thomas Mertom (1915-68), monge trapista, escritor, activista da paz.




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