2007-03-31

é este o tempo favorável - II


O TEMPO COMPLETO - A COMPREENSÃO DA BÍBLIA


No Novo Testamento, o Cairos tem um grande significado. O Cairos é o momento decisivo, no qual Deus oferece a felicidade às pessoas. Mas as pessoas não reconheceram o tempo da misericórdia. As primeiras palavras de Jesus, no Evangelho segundo S. Marcos, dizem o seguinte: «Completou-se o tempo (Cairos) e o Reino de Deus está próximo» (Mc.1,15). O tempo é sempre qualquer momento em que eu me encontro com Deus, em que Deus me queira mostrar a sua proximidade e oferecer a sua misericórdia e dedicação. O meu trabalho consiste em entrar neste momento e decidir-me pela proximidade terapêutica e amorosa de Deus, em vez de fugir de mim e de Deus para um tempo que apenas passa. O tempo completo é, segundo esta compreensão do tempo, convergente no tempo e na eternidade. É o tempo que é completo por Deus. Os místicos reflectiram sobre o preenchimento do tempo, principalmente o mestre Eckhart que, sobre este assunto escreve que o próprio Deus entrou no tempo e, por isso, o transformou. Através da Encarnação de Deus, adquiriu uma outra qualidade. O tempo deixou de ser apenas um bem raro, que as pessoas têm de aproveitar da melhor forma, para passar a ser um lugar em que as pessoas se reúnem com Deus. Quem vive o momento, no qual o tempo se preenche, fica preenchido por Deus, torna-se uma só pessoa com Deus, para quem o tempo permanece parado.

Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo cita o profeta Isaías: «No tempo favorável ouvi-te e, no dia da salvação, vim em teu auxílio» (2Cor.6,2; Is.49,8). E, de seguida, conclui: «É este o tempo favorável, é este o dia da salvação». Em grego diz-se: «É este o tempo tão aguardado (Kairos euprosdektos)». O «dektos» é aquilo que se pode aceitar, em que se encontra prazer, aquilo que é agradável. Para Paulo, o tempo agradável é aquele que está cunhado com p razer divino e com a presença de Deus.. É o tempo desejado, o tempo que impregna a minha`^ansia de felicidade e terapia, de salvação e redenção. Caracteriza-se por estar repleto de misericórdia, amor, terapia, totalidade, plenitude. Para Paulo, este tempo está marcado pela proximidade de Jesus. Jesus Cristo está ao nosso lado. Através dele, o tempo atinge a plenitude. (...) Daí que vivamos agora num tempo de misericórdia e de estima divina. Cabe-nos a nós acolher a estima de Deus e ser actuais, para podermos encontrar o Deus actual.


in Grün, Anselm, "Ao Ritmo do Tempo dos Monges", Col. Horizontes de Luz, Editora Paulinas

2007-03-30

é este o tempo favorável - I


CRONOS - O CRUEL PAI DO TEMPO

Os gregos tinham duas palavras para o conceito de «tempo». E ambas as designações se referem aos deuses. Isso mostra que, para eles, o tempo era um mistério divino; não se tratava de uma coisa puramente exterior, passível de ser medida com o relógio.
A verdadeira palavra para tempo era «chronos». Chronos relacionava-se com o deus Cronos, que é «o cruel pai do tempo». Cronos era filho de Urano e de Gaia. Libertou os irmãos do ventre da terra, para onde Urano repelira os recém-nascidos. Deste modo, viria a ser o chefe dos Titãs. Com a sua irmã Reia, Cronos procriou os deuses do Olimpo. Todavia, receando um sucessor humano, devorou os seus filhos. Reia conseguiu salvar apenas o filho mais novo, Zeus, entregando ao pai uma pedra envolta em faixas. Ao crescer, Zeus dominou o pai, para que este cuspisse os irmãos. Com a ajuda deles, Zeus subjugou Cronos e passou então a governar o destino dos homens, a partir do Olimpo.
Ao interpretar este mito, deparamo-nos com um importante aspecto do tempo. O tempo devora os seus filhos.
(...)

CAIROS - O DEUS DO MOMENTO CERTO

A outra expressão para tempo na tradição grega é «kairos». Cairos é o momento certo, a oportunidade, a utilidade, a medida certa. Os romanos apresentam o deus masculino Cairos como feminino, na forma de «occasio»: a oportunidade. O deus grego do momento certo tem asas nos pés ou nos ombros, quando é apresentado figurativamente. Caminha sobre os bicos dos pés ou encontra-se sobre rodas e oscila uma balança sobre uma lâmina. A sua cabeça é bastante interessante. Na testa, tem um tufo de cabelo. Em contrapartida, a nuca é careca. Com esta representação, os gregos pretendiam mostrar que se devem agarrar as oportunidades. O momento é efémero como mostra a nuca lisa. Quando o momento passa por nós a correr, não o podemos apanhar. Por isso, devemos encontrar o Cairos pela frente e agarrá-lo, mal ele surja. Para os pitagóricos, o Cairos é representado pelo número sete. Isso recorda-nos a história bíblica da Criação. O sétimo dia, em que Deus descansou, deixa transparecer esta qualidade, com que a antiga escola filosófica grega contemplou o Cairos.

in Grün, Anselm, "Ao Ritmo do Tempo dos Monjes", Col. Horizontes de Luz, Paulinas Editora

2007-03-17

"olho por olho, dente por dente" - «?»


"Teologia hoje - o papel das religiões na paz mundial" é o tema de fundo de uma série de conferências que se realiza este fim de semana na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, no Porto.
"OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE" foi, neste contexto, o tema tratado pelo Sr. Padre António Couto, Superior Geral dos
Missionários da Boa Nova e Professor Universitário naquela Instituição, esta manhã.
Por se tratar de um assunto de veras pertinente nos nossos dias, como é pertinente tudo o que se relaciona com as relações entre as pessoas e os povos, eis algumas das notas que tirei:

"Com esta expressão - olho por olho, dente por dente - estamos a falar da lei de talião (do latim = igual), segundo a qual o ofendido tinha direito a causar a quem o ofendesse um dano igual ao recebido. E não mais." A formulação desta lei encontra-se no Livro deo Exodo (21, 23-25) e a sua revogação por Jesus no Evangelho de Mateus (5, 38-40).

"Associada a esta lei está a ideia de barbaridade. Chega-se a pensar que o Antigo Testamento está repassado de barbaridade. Não é verdade!"

"A lei de talião não é exclusiva das páginas bíblicas. Aparece nas legislações do oriente próximo antigo muito antes da entrada dos povos de Israel na história. Encontramo-la em códigos egípcios, hititas e outros. E principalmente no Código de Hamurabi, 17 séculos antes de Cristo (cfr. parágrafos 196 e 197): a um dano causar-se-á igual dano. Trata-se de um freio à vingança desenfreada do mais forte. Não tem qualquer correspondência na "lei de Lamec" de Génesis 4, 23-24. Aqui há um desnivelamento dos danos; é a lei do mais forte, da brutalidade e da barbaridade, que não é a lei de talião". Refira-se que "ainda hoje esta lei (de lamec) vigora e o produto das guerras, ao longo dos séculos, traduz-se em cerca de 3 biliões e 700 milhões de mortos".

"Esta lei de talião é já um avanço civilizacional. Enquanto a lei do mais forte representa o nosso estado de natureza, a lei de talião representa as nossas convenções de razão."

Numa primeira fase, "no código de Hamurabi (parágrafos 198 e 199), a lei de talião dizia respeito só a homens livres: a classe de elite da sociedade de Hamurabi. Havia, ainda uma segunda classe, intermédia entre aquela e a dos escravos." Se as ofensas eram perpetradas em pessoas desta segunda categoria, "o agressor era condenado a pagar um preço" e "metade de um preço" no caso de a vítima ser um escravo.

"No Antigo Testamento, a lei de talião aparece nos três códigos legislativos mais importantes:

a) o código da aliança - Ex. 20,22.23,33;

b) o código deuteronómico - Dt. 19,21;

c) o código sacerdotal - Lv. 24,20."

"No Código da Aliança encontramos uma radicalização da lei de talião. Começa pela expressão "vida por vida". Alarga-se, aqui, a compreensão da vida de um homem: inclui a vida pré-natal. Continua a haver uma menos-valia para a vida de um escravo: "deixá-lo-á partir em liberdade".

"No Código Deuteronómico (dt. 19,16-21) alarga-se o valor da vida de um homem ao bom nome e à dignidade da vida humana. Atentar contra o bom nome é como atentar contra a vida."

"No Código Sacerdotal ou de Santidade (Lv.24,17-22), a lei de talião é alargada à vida humana na sua integralidade. Ser Humano = adam. Salta á vista o seu carácter universalista: aplica-se a todo o ser humano sem excepção (Lv. 24,22)."

"O COMPORTAMENTO DE JESUS, quer no ensino quer na prática, revela-se por uma plicação assimétrica da lei de talião. Jesus ultrapassa a tentativa de equilíbrio entre agressor e agredido. N'Ele encontramos um excesso de bondade, que é a única meneira de se pôr fim à violência. Jesus não remete para a NÃO-VIOLÊNCIA, porque, nesta, antes da não violência existe a violência. Jesus remete para o estado de criação: "no princípio não era assim."

"O TALMUDE coloca Deus a rezar e Deus reza assim:

- que a minha misericórdia vença a minha ira (...) para que Me porte com indulgência para com os meus filhos."

"Jesus opta por este procedimento: a misericórdia. Pela entrega radical aos outros, mesmo aos violentos, e pelo perdão radical. O que é que isto significa? Fraqueza? Impotência? Incapacidade? Ou é uma desarmante soberania?! Revela a soberana liberdade interior de quem não se deixa envolver pela violência dos adversários. Por amor de quem o ofende, Ele responde com a entrega total, desmontando por completo aquela violência."

"Este o caminho feito pela lei de talião até Jesus. Jesus vem anular a violência pela soberania da misericórdia. No ciclo de conferências "Igreja e Missão", um teólogo dizia que os cristão em todo o mundo são quase dois biliões de pessoas. E perguntava: o que seria este mundo se todos os cristãos praticassem a lei da misericórdia. Aqui sou eu que levanto a questão: se quase todas as religiões do mundo contemplam a misercórdia, se todos os seus crentes a praticassem, o que seria este mundo?"


Esta foi a pergunta que o Sr. Padre António Couto nos deixou. Eu atrever-me-ia a afirmar que cairiam todas as regras da economia e muitos países iriam à falência. Quem dera que fosse já a seguir!!!

2007-03-10

"pecado que Deus denuncia com mais força é hipocrisia"


Chamou-me a atenção, pela actualidade e pela "velhice" (parece que o interior do homem se mantém na idade da pedra lascada!), a notícia que encontrei na agência zenit.org. Eis alguns pontos que achei mais relevantes e exigentes:

Diz ela que na primeira pregação da Quaresma ao Papa e à Cúria, "na capela Redemptoris Mater do Palácio Apostólico, no Vaticano, o Pregador da Casa Pontifícia centrou-se nas Bem-Aventuranças evangélicas.

"Entre elas, esta: «Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus». E esclareceu equívocos," continua aquela notícia. "Remetendo-se ao Evangelho, «o que decide a pureza ou impureza de uma acção é a intenção: se a pessoa faz para ser vista pelos homens ou para agradar a Deus».

E continua: «Na realidade, a pureza de coração não indica, no pensamento de Cristo, uma virtude particular, mas uma qualidade que deve acompanhar todas as virtudes, para que sejam verdadeiramente virtudes e não "esplêndidos vícios"; por isso, seu contrário mais directo não é a impureza mas a hipocrisia», assinalou o Pe. Cantalamessa."

"Esse é o pecado que Deus denuncia com mais força ao longo de toda a Bíblia, porque com a hipocrisia «o homem rebaixa Deus, situa-O em segundo lugar, colocando no primeiro as criaturas, o público», prosseguiu."

"Dessa forma, «a hipocrisia é essencialmente falta de fé, mas também falta de caridade para com o próximo, no sentido de que tende a reduzir as pessoas a admiradores».

«Nunca se fala da relevância social da bem-aventurança dos puros de coração, mas estou certo - afirma - de que esta bem-aventurança pode exercer hoje uma função crítica entre as mais necessárias na nossa sociedade, pois trata-se do vício humano talvez mais difundido e menos confessado».

O Padre Cantalamessa enfatizou que a hipocrisia afecta as pessoas religiosas por um simples motivo: «onde mais forte é a estima dos valores do espírito, da piedade e da virtude, lá é mais forte também a tentação de ostentá-los para não parecer privados deles».

Mas existe «um meio simples e insuperável para rectificar várias vezes ao dia as nossas intenções. Jesus deixou-o nas três primeiras petições do Pai Nosso». «Elas podem ser recitadas como orações, mas também como declarações de intenção: tudo o que faço, quero fazê-lo para que seja santificado o Vosso nome, para que venha o Vosso reino e para que se cumpra a Vossa vontade».

«Seria uma belíssima contribuição para a sociedade e para a comunidade cristã se a bem-aventurança dos puros de coração nos ajudasse a manter desperta em nós a nostalgia de um mundo limpo, verdadeiro, sincero, sem hipocrisia - nem religiosa nem leiga -, um mundo onde as acções correspondem às palavras, as palavras aos pensamentos e os pensamentos do Homem aos de Deus», concluiu."


E esta, hem?!

"um cristão de joelhos enxerga mais do que um filósofo na ponta dos pés"

2007-03-03

"quaresma com vocação de Páscoa"


Apenas uma pequena partilha de um texto que partilharam comigo, mas só sei que o autor é o Padre M. Morujão, s.j. Aqui vai...
"Mais uma vez, atentos seguidores de Cristo, vamos entrar na quarentena de preparação para a Páscoa. Cristo também teve a Sua quaresma quando, "impelido pelo Espírito, foi para o deserto, onde esteve durante quarenta dias e quarenta noites, jejuou e foi tentado pelo demónio" (Lc. 4,1).
Passados quase dois mil anos, que podemos nós tirar como fruto desta etapa da vida do Salvador que vamos reviver? Quaresma... jejum... penitência... cruz... não serão palavras pouco simpáticas aos tímpanos de hoje, realidades que destoam no nosso mundo? De facto, assim acontece. Mas urge por em relevo o positivo destas realidades.
Quaresma, o que vem a ser? Vivida ao jeito cristão, ela não pode deixar de ser uma etapa positiva de crescimento. Vejamos como.

Quaresma=tempo de penitência. É uma igualdade que espontaneamente estabelecemos. Mas que penitência? Não vou inventar novos conselhos. Vou repetir velhos, mesmo já com séculos de idade. Mas cheios de actualidade.
Alguns séculos antes de Cristo, o povo hebreu tinha caído numa onda de formalismo, cumprindo a lei só de fachada. As obras até aparentavam bondade. Davam-se mesmo a práticas de penitência. Mas, no fundo, vinham de um coração sem amor. E os profetas (os profetas sempre foram muito incómodos!) punham o dedo na ferida, indicando claramente que assim não se podia continuar: "Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto" (Is. 58,4).
É que a penitência, o jejum, não é questão de um bocado a menos de pão, de cobrir-se com cinza ou de rasgar os vestidos. É um amor prático que não pode deixar de se traduzir em sinais externos: "o jejum que Eu aprecio é este - oráculo do Senhor Deus: abrir as prisões injustas; desatar os nós do jugo; deixar ir livres os oprimidos; quebrar toda a espécie de jugo; repartir o pão com o esfomeado; dar abrigo aos infelizes sem asilo; vestir o nu e não desprezar o irmão" (Is. 58, 6-7).
Ou seja: a melhor penitência são as obras de misericórdia; o jejum ideal é o amor prático e concreto. Tudo o que fizermos, como penitência, é para nos levar a este termo.
(...) A penitência é um corrigir da nossa linha de vida, da marcha dos nossos passos. Frei António das Chagas (séc. XVI) fala-nos da penitência como de um "atalho brevíssimo" para nos aproximarmos dos caminhos de Deus. (...) "A cruz é a escada do céu" - diz-nos o santo Cura d'Ars. E, por isso, "deveríamos correr atrás da cruz como um avaro corre atrás do dinheiro". Que conselho tão oportuno! Ser avaro da cruz, do tempo da Quaresma, porque é escada para a Páscoa da Ressurreição.
Não deixemos passar esta quaresma em vão. É que "é agora o tempo favorável, é agora o tempo da salvação" (2Cor. 6,2)! (...) Cristianizemos a nossa Quaresma, vivendo-a na esperança cristã de ressuscitarmos com Crist. Para uma vida melhor. Aproveitemos esta Quaresma com vocação de Páscoa!".