2007-04-28


Donde brota a fonte deste vento

que me acende a alma?

Onde nasce a mão

que me modela a vida?

Vêm do regresso ao fundo do meu MAR.

2007-04-21

a quarta vigília da noite

"Pela quarta vigília da noite, Jesus foi ter com eles caminhando sobre o mar. Ao vo verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se. (...) Jesus falou-lhes dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou eu. Não temais.» (Mt. 14,25)

A noite do judeu era dividida em quatro vigílias, das seis da tarde às seis da manhã. A quarta vigília corresponde ao período que vai das três às seis horas da manhã. Estas páginas destinam-se aos da quarta vigília, aos da terceira também, e quiçá aos da segunda, porque toda a vida é uma expectativa e uma preparação.



Uma certeza, uma convicção profunda devia acompanhar-nos sempre: ela dar-nos-ia a paz e o bem-estar espiritual e mental. É que o AGORA é o TEMPO FAVORÁVEL PARA MIM. Favorável para quê? Para ser feliz. E esse tempo é o SEMPRE para mim, cada instante da vida longa ou curta em que me é dado preparar uma felicidade maior e imorredoura.



Dizem que o tempo passa. Não, nós é que passamos por ele. E cada momento pode dar-nos uma fortuna, se entendemos bem o que ela é. Por isso podemos dizer que connosco estão "a riqueza, a glória e os bens duradouros" (Prov.8,18), se a cada momento vivermos em justiça (ajustados a Deus). E se quisermos levar este pensamento até ao fim, podemos dizer que a quarta vigília será para nós em venturosa serenidade, o que tiverem sido as vigílias antecedentes...



Hoje - o Kairos -, este AGORA que me é dado por Deus, para que o toque do Espírito que habita em mim tudo transforme em "ouro", tudo valorize e torne capaz de se transformar na moeda capaz de comprar a glória de Deus e a felicidade dos meus irmãos. Este "Kairos", "dia da salvação", é cada momento que passa, esse perene presente em que estou construindo uma eternidade bem-aventurada, o Reino de Deus, em união com todos os homens de boa vontade, que comigo esperam "os novos céus e a nova terra". Por isso não há idade. Estou começando hoje (e aqui revivo as últimas palavras de S. Francisco de Assis). Não tenho passado. O passado sou eu neste presente em que vivo. Ele criou-me. Em cada minuto plasmou-me para ser o que sou. Ele não me deixou. Mais ainda: para Deus, para Quem não há senão um eterno presente, eu sou a criança alegre e despreocupada de ontem, o adolescente que sonhou muito e lutou para se afirmar (e eu que o diga! ), o adulto que amou e sofreu (e no sofrimento aprendi a pedagogia do amor de Deus para poder amar os outros), que teve horas amargas e felizes, aquele que até ao fim procurou servi-Lo e amanhã deporá confiadamente o último alento em Suas mãos divinas. Para Deus, eu sou de todas as idades, com todo o meu esforço para ser bom ( e Deus deseja ardentemente poder usar de misericórdia amorosa para comigo, eu sei ), com todo o meu desejo de o servir e glorificar ( Isabel da Trindade diria: "ser um louvor de glória" ).
(...)
Teilhard de Chardin lembra-nos que "há um tempo para o crescimento e um tempo para a diminuição na vida de cada um de nós. A dado momento, a nota dominante é de esforço humano construtivo, em outro, é de aniquilamento místico".


Esse aniquilamento só se pode entender no sentido de crescimento para a plenitude em Cristo, "até atingirmos o estado de homem feito, à estatura da maturidade de Cristo" (Ef. 4,13). Isto é, a absorção em Cristo, "processo que alargará os nossos horizontes , arrancando-nos da nossa mesquinhez, impelindo-nos imperiosamente para uma visão sempre mais larga, para a renúncia de prazeres estimados, para o desejo de sempre maior beleza espiritual.



Se esse completo desprendimento de nós mesmos visa o dissolver-nos em Alguém muito maior do que nós, nã podemos pôr limites ao desenraizamento que representa essa viagem para a vida em Deus. Para os que procuraram ( e procuram ) sempre essa vida, a renúncia foi ( é ) voluntária e progressiva. "Importa que Ele cresça e eu diminua". Renúncia ascética, que a intimidade com Deus - que outra coisa é a vida mística ( serão os místicos que salvarão a beleza do mundo! ) - favoreceu, para nos perdermos n'Ele.

in "Na Alegria do Espírito" de Haroldo Rahm, sj
nota: as anotações entre parêntesis são minhas

2007-04-10

Jesus continuava calado - o verdadeiro grande silêncio




Se ainda existe disparidade de opiniões, sobre o papel e a atitude de vários personagens e poderes envolvidos na Paixão de Cristo, felizmente existe unanimidade sobre Ele e sobre a Sua atitude: dignidade sobre-humana, calma, liberdade absoluta. Nem um só gesto ou uma só palavra que ignore aquilo que pregou no Seu Evangelho, especialmente nas bem-aventuranças. E nada n'Ele que se asemelhe ao orgulhoso desprezo da dor do estóico.


A Sua reacção ao sofrimento e à crueldade é muito humana: no Getsémani, treme e sua sangue, gostaria que o cálice do sofrimento se afastasse, busca apoio nos Seus discípulos, grita a Sua desolação; na Cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»


(...)


Poderia passar-se a vida penetrando nesta perfeição da santidade de Cristo e não se chegaria nunca ao fundo. Na ordem ética, estamos diante do infinito. Não há memória de mortes semelhantes a esta, na história do mundo. É sobre a santidade do protagonista que é necessário parar-se, para meditar a Paixão, mais sobre a crueldade e a vileza de quem lhe está próximo. No "Novo millennio ineunte"o Santo Padre exorta-nos a contemplar o "rosto doloroso do Redentor". Aquele rosto, por si, é toda a Bíblia numa página.


Gostaria de evidenciar um traço desta grandeza sobre-humana de Cristo na Paixão: o Seu silêncio. «Jesus autem tacebat», isto é, "mas jesus continuava calado" (Mt. 26,63). Cala-Se diante de Caifás; cala-SE diante de Pilatos, que se irrita com o Seu silêncio; cala-Se diante de Herodes, que esperava vê-Lo fazer um milagre.


Jesus não Se cala por resolução tomada antecipadamente ou para protestar. Não deixa sem resposta nenhuma pergunta precisa que Lhe é dirigida, quando está em jogo a verdade, mas, também neste caso, são palavras breves, essenciais, pronunciadas sem raiva. N'Ele, o silêncio é todo e somente amor.


O silêncio na Paixão é chave para entender o silêncio de Deus. Quando a discussão se torna muito grande, o único modo de dizer alguma coisa é calar-se. O silêncio de Jesus, de facto, inquieta, irrita, traz à luz a não-verdade das próprias palavras, como quando se calou diante dos acusadores da adúltera.


in "Páscoa - uma passagem para aquilo que não passa", de Raniero Cantalamessa