"Aproximavam-se dele todos os cobradores de impostos e pecadores para O ouvirem. Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles». Jesus propôs-lhes, emtão, esta parábola:
«Qual é o homem dentre vós que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se tinha perdido até a encontrar. Ao encontrá-la põe-na alegremente aos ombros e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes: alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida.» (Lc.15, 1-6)
Esta parábola, assim como as outras que se lhe seguem (dracma perdida e encontrada e o filho perdido e encontrado) situam-se no contexto de um conflito entrea elite religiosa judaica e Jesus. O seu objectivo é denunciar a atitude separatista dos fariseus em nome da pureza religiosa e justificar a atitude misericordiosa de Jesus para com os pecadores. Entre os fariseus, que se separam da gente comum para melhor praticar os mandamentos de Deus, e Jesus, que Se aproxima dos simples, dos doentes e dos pecadores em nome da misericórdia divina, quem é cumpre melhor a vontade de Deus?
Convém não esquecer este contexto polémico para compreender estas parábolas. Se fazemos destas parábolas, chamadas "da misericórdia", histórias consoladoras, edificantes e reconfortantes, tornámo-las insignificantes. É que elas não são consoladoras, mas provocantes e agressivas!
Habitualmente os comentários a esta história põem a tónica na pobre ovelha perdida que espera o seu pastor salvador. Nós somos esta ovelha perdida, mas felizmente Jesus vem salvar-nos! Bem está o que bem acaba! É uma leitura infan~til da parábola. Na verdade a história não atrai a nossa atenção sobre a ovelha perdida, mas sobre o COMPORTAMENTO DO PASTOR. A questão que se coloca aos fariseus e também a nós é: «Não faríeis vós o mesmo que este pastor, que abandona o seu rebanho no deserto para ir atrás da ovelha perdida?»
Efectivamente, a questão principal desta história é a atitude do pastor, que abandona noventa e nove ovelhas no deserto para ir atrás da que não quis fazer senão o que lhe apeteceu e se perdeu. Um "bom" pastor não abandona o seu rebanho no deserto! As ovelhas ficariam sem defesa contra os animais selvagens. Para salvar o seu rebanho, um pastor responsável preferiria sacrificar a ovelha perdida, tanto mais que já devia ter sido comida pelas feras. Jesus não nos pede que nos identifiquemos com a ovelha perdida, mas com o pastor. (...)
Suprimindo o conflito subjacente da parábola, desvirtuamos o seu sentido e apenas a recuperamos para justificar os nossos bons sentimentos. Ora bem, o que faz com que Deus seja Deus e não homem, é que não se comporta como os homens. La sabedoria humana ordena não abandonar as noventa e nove ovelhas no deserto para ir à procura do maldito animal que se perdeu! Para Deus, pelo contrário, basta que uma esteja perdida para que tudo esteja perdido. Para Ele não se trata de sacrificar uma só ovelha para salvar todo o rebanho, como sugeriu o sumo sacerdote Caifás no momento da prisão de Jesus (Jo.11, 49-53). É nisto que Ele mostra que é Deus e não apenas um homem. Quando alguém morre numa cruz, é a humanidade inteira que está perdida. Por este motivo não pode resignar-se a abandonar uma parte para não perder tudo e sacrificar uma só das suas ovelhas.
Assim, é fundamental que o ouvinte da parábola tome posição acerca da atitude que deve adoptar o pastor em tal situação. É a única maneira de conseguir imaginar, mesmo minimamente, os "sentimentos" que se aninham no coração divino. Só assim se pode compreender que o que confere valor à ovelha - à que está perdida e, por conseguinte, a todas as outras - é p preço que o Pastor lhe atribui e não os seus méritos ou obediência. SE A OVELHA PERDIDA É TÃO PRECIOSA, É PORQUE DEUS FAZ TUDO PARA SALVÁ-LA. Deus não ama os homens por causa do seu valor: eles têm valor, porque são muito importantes para Deus e não deixa de salvá-los.
Em vez de recriminar o seu Pastor, as noventa e nove ovelhas deveriam descobrir quanto valem para Ele, pois move céu e terra só para salvar uma delas. (...)
Vendo o que Deus fez para tirar o Seu Filho do buraco negro do túmulo, todos podemos ver o tipo de Pai que temos. Faz por cada um de nós o que fez pela Sua "ovelha perdida". Essencialmente é isto o que a morte de Jesus nos revela: não que o Pai sacrifique o Seu Filho para redimir os pecados dos homens, mas como é capaz de transformar as leis da natureza para para salvar Aquele que se perdeu em solidariedade com os publicanos e pecadores.
O que o Pai fez pelo Seu Filho está disposto a fazer por cada um de nós e é o que faz Jesus comendo com os pecadores. O que revela a grandeza infinita do homem é o amor incondicional que Deus lhe manifesta.
Por conseguinte, a nossa prática religiosa, a nossa justiça e as nossas virtudes não são o preço que temos de pagar para merecer o amor que Deus nos tem, mas pelo contrário. La maravilha divina, um escândalo aos olhos dos homens, é que Deus perde o Seu tempo abandonando no deserto as suas ovelhas fiéis, para ir à procura da que está perdida, porque, na verdade, nenhuma é fiel: todas estão perdidas!
Eis aqui quem é Deus para nós e quem somos nós para Deus e o que deveria encher-nos de alegria.
Esta parábola diz-nos que há uma igualdade fundamental de todos os homens perante Deus, sejam eles fiéis e virtuosos como os fariseus, ou pecadores e impuros como os publicanos. Não é a fidelidade e a obediência aos mandamentos de Deus que dá valor aos homens diante de Deus. Deus ama todos os homens como o SEU ÚNICO. CADA HOMEM TEM, PARA ELE, O PREÇO DO SEU FILHO ÚNICO.
Esta é a BOA NOTICIA que Jesus veio revelar-nos e que os fariseus não conseguiram compreender e aceitar, porque pensavam que reduzia a nada os seus esforços e virtudes. Tinham demasiado a perder se confiassem em Jesus.
E nós, que somos os discípulos de Jesus, somos muitas vezes parecidos com os fariseus: não compreendemos e murmuramos (na Bíblia, "murmurar" não é somente expressão de descontentamento, mas de falta de fé e negar-se a fazer a vontade de Deus), porque Deus nos abandona no nosso deserto para favorecer as pessoas sem fé e sem lei.
in "La Segunda Conversión - de la depressión religiosa a la libertad espiritual",
por André Gromolard
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